segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A memória e o esquecimento




O neurocirurgião e pesquisador Scoville, famoso médico que operou o paciente H.M., percebeu que existia um centro neural para a memória: o hipocampo, pois foi justamente a cirurgia com H.M, que propiciou a percepção de que havia um local no cérebro onde as memórias ficavam armazenadas, contradizendo com a idéia de Karl Lashley de que esta função cognitiva estava “dispersa” por todo o cérebro, não havendo uma localização específica.
“Obviamente o hipocampo era o centro real das lembranças, pois, sem ele, H.M, foi entregue a um trecho do mais pálido presente. Scoville publicou suas descobertas desse experimento grandioso, porém remendado. Ele havia tocado no tecido da memória, que não era espiritual nem mítico em sua essência. A memória era o carne. Poderia ser apontada com precisão, como um país num mapa. Lá vive seu passado. Lá vive seu futuro. No cavalo marinho. Debaixo do recife de coral cortical.” (Slater)
Kandel foi um dos primeiros a realmente fornecer um modelo molecular de memória primitiva. Ele também foi pioneiro na explicação da passagem da memória de curto para longo prazo, afinal de contas, sabemos que H. M não se lembrava do tomou no seu café da manhã, mas reconhecia o rosto de sua mãe e outros fatos de seu passado, então como esse mecanismo acontecia? (ver postagem anterior).
Por outro lado, o excesso de memória também pode ser mais complicado do que simples, imaginem se não esquecemos nada? O esquecimento também faz parte dum processamento cognitivo saudável e porque não dizer do nosso mecanismo de memória? No caso de S., aquele paciente de 21 anos, que Luria estudou, tinha uma memória extraordinária, mas era incapaz de deduzir significados de qualquer coisa que lesse, tornando-o incapaz de reconhecer uma expressão facial ou um contexto mais metafórico.
Portanto, para termos uma boa memória, temos que esquecer, consolidar, evocar, enfim, deixar que as redes neurais se reorganizem seguindo o fluxo de nossas experiências, levando em consideração o passado, o presente e o futuro!

A memória, o esquecimento e a lesma do mar


(escultura de Mauro Andriole)

Slater, em seu livro “Mente e Cérebro”, aborda o tema da memória de maneira bastante peculiar e intrigante. Ela ressalta a necessidade e contribuição do conhecimento científico (e, segundo a autora, reducionista), assim como dos estudos com as lesmas do mar de Kandel, contudo faz críticas consistentes em relação à direção de algumas pesquisas (também científicas) sobre os mecanismos de memória quanto ao uso de medicamentos nesta área. É possível ou pertinente a comercialização da potencialização ou inibição de um “constructo cognitivo” como a memória?
A memória é uma das funções cognitivas que, em termos biológicos, se tem algum conhecimento neural, mas ela é também intrinsecamente construída de forma bem particular por cada ser humano. Apesar de sabermos as localizações cerebrais, as redes neurais e seus mecanismos sinápticos da memória, ela é formada pela subjetividade humana, esse filtro de seletividade dos fatos é calcado na nossa história de vida e perspectiva de futuro.
“Volumes de impressões, ruídos, sensações, interações acontecem conosco todos os dias e, se retivéssemos tudo isso, estaríamos num mar de confusão mental. Em vez disso, o que geralmente lembramos são impressões gerais de nosso passado: para mim é a casa do meu avô, (...). Mas, então, havia aquelas poucas memórias do passado que permanecem bem características, mesmo se incorretas.” Slater
Kandel acreditava que existia um mecanismo que propiciava a conversão de curto para longo prazo e, para pesquisar este mecanismo, retirou a parte central da aplísia (lesma do mar) e colocou apenas dois neurônios preservados em um meio de cultura. Em seguida, manipulou os neurônios de forma que “conversassem” um com o outro, de forma que o neurônio 1 desenvolveu conexões sinápticas com o neurônio 2.
Como podemos analisar nestes pequenos trechos, estudar a memória é estudar um mecanismo que se encontra entre o somático e o psíquico. Continuaremos com esse tema na próxima postagem.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

DÉFICTS DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE E IMPULSIVIDADE: O TDA/H


O pediatra inglês Geoge still (1902), atribuía “os maus comportamentos” infantis a uma ausência de inibição dos impulsos, levando ás essas crianças, uma atitude desafiadora e agressiva. Contudo, Still acreditava que esses comportamentos eram causados por “defeitos no controle moral”, herdados geneticamente por seus pais, já que havia histórico (na maioria dos casos) de alcoolismo e depressão na família.
Com o passar do tempo, foram ocorrendo situações médicas/psicológico-comportamentais, que levaram esses diagnósticos comportamentais a uma tentativa de explicação biológica. No início a psiquiatria classificou esse déficit de lesão cerebral mínima e logo após de DCM (disfunção cerebral mínima). Mas foi a imprecisão desse termo, que sofreu espetacular disseminação no campo médico e entre leigos, a partir dos EUA, nos anos 60 e 70, que passou a se abrigar crianças com conduta hiperativa, desatenta, anti-social ou com problemas de aprendizagem.
Dando um salto para os dias de hoje, onde esse transtorno está classificado na DSM-IV e na CID-10 como o TDA/H, e sendo um transtorno com implicações biológicas e até hereditárias, o pesquisador Rossano Cabral Lima aponta para a diferença entre: correlações e causas biológicas do transtorno m questão. Muitos estudos demonstram correlações bioquímicas entre o TDA/H e circuitos neurais, ou seja, “déficits na fiação” de alguns circuitos. Porém essa constatação ainda não garante a causa do TDA/H. Muitas pesquisas ainda mostram dados contraditórios entre si, não tendo sido conclusões satisfatórias do ponto de vista científico. Lima também ressalta a atenção necessária para as variáveis ambientais que possam influenciar no TDA/H.
“Entretanto, a empresa de afirmar o TODA/H como entidade patológica sediada no cérebro e nos genes não se conforma com a minimização das determinações sociais, psicológicas ou educacionais no seu surgimento, tratando mesmo de reduzir tais fatores ambientais a origens genéticas.”
Um ponto importante a se pensar é: mesmo com todos os recursos atuais de imagens cerebrais, tecnologias, exames e pesquisas nestas áreas, ou seja, com alguma sofisticação tecnológica, ainda caímos na antiga discussão do inato e adquirido ou, melhor dizendo, de uma explicação biológica excluindo a explicação “social” e vice-versa! Será que avançamos muito neste tipo de pensamento?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CINEMA




Qual o padrão ou modelo utilizado nos filmes que retratam a IA no cinema? Como os diretores destes filmes retratam o “funcionamento emocional” dos robôs? Neste artigo sobre este tema (http://www.overcomingbias.com/2008/09/points-of-depar.html#more), o autor sugere uma possível e interessante discussão sobre o assunto.
Explicando melhor:
Os filmes que abordam a questão da IA tendem a tratá-la sempre de um ponto de vista de um padrão de mente humana, isto é, de forma antropocêntrica. Estaria no inconsciente coletivo desses diretores que os robôs seguem um modelo de supressão emocional para torná-los “emocionaless”? Mas para que eles tenham essa supressão (ou repressão) emocional, supõe-se que exista a emoção propriamente dita, a qual é baseada nas emoções humanas. Todavia isso contradiz o pressuposto de que os robôs não sentem, apenas “pensam”, pois há sempre nos filmes uma referência às emoções.
“These mistakes seem to me to bear the signature of modeling an Artificial Intelligence as an emotionally repressed human.”
A psicologia cognitiva e a neurociência fazem uma distinção entre a IA pura (tentativa de fazer com que os computadores demonstrem desempenho cognitivo inteligente, independentemente de o processo se assemelhar ao processamento cognitivo humano) e a simulação (tentativa de fazer com que computadores simulem o desempenho cognitivo humano em diversas tarefas). Nas simulações, David Marr, por meio de computações detalhadas, tentou simular a percepção visual humana e propôs uma teoria da percepção visual baseadas em seus modelos de computadores. Na IA Pura, vários programas de IA foram criados que podem demonstrar perícia (Por exemplo, jogar xadrez), mas esses programas provavelmente resolvem problemas utilizando-se de processos distintos daqueles empregados por peritos humanos. Em qual desses modelos os diretores de IA no cinema, estão se inspirando? Ou não estão pensando no assunto?
“Which all goes to illustrate yet another fallacy of anthropomorphism - treating humans as your point of departure, modeling a mind as a human plus a set of differences.”
Será possível para nós humanos, pensarmos verdadeiramente de maneira não-antropocêntrica?
Enfim, esse é um assunto que nos possibilita uma infinidade de discussões, sob ângulos bem diferentes, dada a natureza do assunto (IA, Cinema, Mente, Psicologia), mas no momento ficaremos com esses pontos para reflexão.

sábado, 13 de setembro de 2008

PESQUISAS COM ECONOMISTAS



Uma pesquisa realizada com economistas (http://www.economist.com/blogs/freeexchange/2008/09/dismal_scientists.cfm) , demonstrou uma particularidade da profissão:economistas preferem investimentos pessoais baseados em modelos “auto-centrados”, isto é sempre visando o interesse próprio.
Neste experimento foi testado um “jogo”, baseado nas teorias dos jogos, onde se concluiu que as pessoas (49%) arriscaram nas contas públicas, e outra (51%) preferiram as contas privadas. No Primeiro caso, o valor investido no final é compartilhado e no segundo caso, todo investimento é devolvido para o investidor. Portanto podemos perceber uma alta percentagem na opção mais ousada, onde existe um grau maior de risco e mais “democrático”.
Quando o experimento foi repetido com um grupo ( uma amostra) de economistas, os resultados mudaram significativamente. Os grupos de economistas investiriam 80% no segundo caso, ou seja, no retorno total dos valores investidos, eles não arriscam! Apesar de aparentemente serem pessoas que defendam alguns conceitos econômicos mais liberalistas ou democráticos....
Podemos pensar que a teoria é bem distinta da prática. Seria interesse pesquisarmos outros perfis profissionais em relação a tomada de decisão.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA ATENÇÃO


Nesta postagem, além de rever alguns conceitos teóricos, vamos estudar alguns testes neuropsicológicos para uma avaliação da atenção de um ponto de vista da Neuropsicologia.
A avaliação da atenção será direcionada para: seletividade (Foco), sustentação (manter o foco), alternância (mudar o foco) e divisão (focar em dois contextos distintos). Portanto, nos testes neuropsicológicos existem maneiras de se medir estes “tipos” de atenção.
Segundo Coutinho, a atenção é sempre modulada pelo interesse e pela necessidade em determinadas tarefas A atenção tem curso flutuante tanto em indivíduos normais como em comprometidos. Raramente a desatenção está presente em todas as ocasiões. Os testes curtos de atenção nem sempre são sensíveis para identificar déficits atencionais e alguns deles medem tanto a capacidade do examinando quanto do examinador. As principais causas de déficits atencionais são: TDAH, depressão, fármacos, seqüelas de TCE, esquizofrenia.
Nos testes de avaliação da atenção é importante, medimos:
A seletividade e a sustentação: para isso podemos usar o teste do cancelamento, o Tavis-3 e o stroop.
A amplitude (quantidade de material que pode ser processado de uma única vez) pode ser medida através do span de dígitos, span de palavras, span de posições espaciais (Corsi, Finger, Windows).
O tempo de reação deve ser medido informalmente e mensurado sempre que possível (Tavis-3, CTP).
A alternância e divisão envolvem a capacidade de alternar continuamente conceitos/ estímulos distintos (trilhas-parte B, Tavis-3, digit symbol).
Existem alguns testes que são altamente dependentes da atenção: aritmética, testes das fichas, substituição de dígitos/símbolos, testes que envolvem percepção visual de detalhes e testes de memória. A atenção está bastante relacionada com a percepção (estímulos), com a memória (principalmente de trabalho), compreensão (foco/consciência) e com a função executiva (resposta/planejamento). Portanto, podemos inferir que a atenção nos acompanha em quase todos os processos cognitivos e alguns pesquisadores não a mede isoladamente.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

FILTRO DE ATENÇÃO SELETIVA



SEGUNDO STERNBERG (2007), a atenção seletiva pode ser de dois tipos: filtro ou gargalo. Ao longo dos anos foram sendo criados vários modelos para atenção. Todos os pesquisadores concordam que a atenção é seletiva em sua essência, seria impossível, prestarmos atenção conscientemente em todos os estímulos ao mesmo tempo. Como vimos na ultima postagem, ela pode ser consciente ou não-consciente. Os pesquisadores vão discordar em relação ao “momento”onde é feita esta filtragem.
O primeiro modelo sobre a atenção seletiva, foi pensado por Broadbent (1958). Para este pesquisador filtramos nossa informação imediatamente após registrá-la em nível sensorial. Ele acreditava que múltiplos canais de entrada de dados sensoriais chegam ao processo de percepção, atribuindo sentido as nossas sensações. Podem passar pelo filtro, além dos estímulos-alvos, outros com características sensoriais distintas ( visão, tato, audição, olfato, pois estes não seriam estímulos competitivos entre si), porém outros estímulos concorrentes ou não relevantes são eliminados da nossa atenção.
Mais tarde Moray (1960), sugeriu que o modelo anterior (Broadbent) estava errado. Moray concluiu que nesse “filtro” passam mensagens “poderosas” e destacadas, como escutar o próprio nome, por exemplo. Ou seja, segundo este segundo modelo, o filtro seletivo bloqueia a informação a nível sensorial, contudo algumas mensagens muito destacadas ultrapassam este mecanismo de filtragem.
Podemos pensar a partir destes modelos que não existe uma rigidez em relação à atenção, pois ela é multimodal.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

PRESTANDO ATENÇÃO NA ATENÇÃO





“A atenção é um processo psíquico que concentra a atividade mental sobre determinado ponto, traduzindo um esforço mental. É resultado de uma atividade deliberada e consciente do indivíduo - foco da consciência – a fim de inserir profundamente nossa atividade no real.”
“A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de concentração da atividade mental sobre determinado objeto” (Cuvillier, 1937)
A atenção é uma função cognitiva que deve ser levada em consideração na avaliação de testes neuropsicológicos, diagnósticos psicológicos e psiquiátricos. Pois quando ela está alterada, podemos perceber um déficit nas funções executivas, no planejamento de tarefas, na concentração e realização de tarefas. É importante ressaltar que não devemos avaliar atenção separadamente para se chegar a um diagnóstico, ela deve ser avaliada num conjunto (bateria de testes, por exemplo) ou como um item da súmula (na anamnese psiquiátrica, por exemplo).
Muitos profissionais na área da saúde estudam a atenção, portanto, quando lemos um estudo sobre este tema, é interessante avaliar qual o foco está sendo dado a ele, se global ou específico, se qualitativo ou quantitativo, ou ainda, se clínico ou “experimental”.
Na psicologia cognitiva, onde a atenção é avaliada em uma bateria de testes, divide-se a atenção em alguns tipos:
· Atenção seletiva; Atenção dividida; Atenção vigilante, atenção com sondagem.
· Atenção consciente (atenção seletiva, por exemplo) ou atenção sem uso da consciência (atenção tipo habituação ou tipo priming).
Já numa visão de um diagnóstico psiquiátrico a atenção é vista globalmente, como uma função cognitiva que pode ou não estar no centro da consciência:
Hipoprosexia (atenção rebaixada quantitativamente)).
Hiperprosexia (atenção aumentada quantitativamente).
Euprosexia (sem alteração da atenção).
Atenção hipervigilante (estado de alerta, observação qualitativa).
Atenção hipovigilante (estado de concentração, observação qualitativa).