quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: UMA VISÃO PSICOLÓGICA


Finalmente fui assistir ao polêmico filme, inspirado no romance do escritor português José Saramago. E, como quase toda obra com algum nível de complexidade, cabem várias leituras e interpretações de ângulos distintos (pra usar uma palavra de referência visual) (poderia ser posições, de referência cinestésicas...). Podemos pensar em Foucault, Machado de Assis, Freud, Skinner, Deleuze/Guatari ou algum antropólogo contemporâneo. Mas, vou puxar a sardinha pro meu lado e escolher o ângulo que mais me interessa: o psicológico, e mais ainda com um foco na neurociência.
Um dos focos (pra continuar na linguagem visual) é óbvio: a própria visão. Sabemos que a visão é entre as vias perceptivas, a mais complexa e elaborada no ser humano, seu aparato fisiológico é de grande refinamento e sensibilidade em termos neurofisiológicos.
“O sentido da visão é proporcionado aos animais pela interação da luz com os receptores especializados que se encontram na retina. Esta é um “filme inteligente” situado dentro de um órgão - o olho - que otimiza a formação de imagens focalizadas e precisas do mundo exterior. O olho é uma câmera superautomática capaz de posicionar-se na direção do objeto de interesse, focalizá-lo precisamente e regular a sensibilidade do “filme” automaticamente de acordo com a iluminação do ambiente.” (Lent, 2005)
Além deste aspecto da visão (que, aliás, veio a calhar por estarmos falando de um filme), tem inúmeros outros, como por exemplo, a decodificação que nosso aparato perceptivo (retina, ou área occipital do córtex cerebral) faz dos estímulos ambientais estão muito relacionados com uma seleção de imagens, às vezes não percebemos (ou percebemos em demasia) algumas cores, profundidades e formas. Enfim, este tema é vastíssimo e para mais detalhes técnicos sobre a visão, indico: http://www.landeira.org/pubs/2008/Vision.pdf.
Então, fazendo um paralelo entre filme e livro (de mesmo nome), a leitura é como se fosse uma “visão cega” do filme, vamos construindo as imagens com nossa imaginação e em tempo particular. Da mesma forma que decodificamos os estímulos do ambiente, também podemos fazer isto com as imagens construídas em nossa mente: enxergamos o que queremos, omitimos, damos um maior brilho ou luminosidade a alguns objetos. Porém no filme isto não nos é permitido, a imagem nos é dada em tempo real. É outra perceptiva, também interessante, principalmente “os brancos” da cegueira branca. Será que a visão pertence mais à área cerebral do que a perceptual? Acredito que não, o filme nos diz que a visão é “real”, concreta, mas também subjetiva, metafórica. Uma não existe sem a outra.
Entretanto o filme me remeteu também a outros aspectos do humano. Como se aquele isolamento dos cegos pudesse ser um experimento comportamental de Skinner. Obviamente sem a intenção de tanta crueldade humana, apesar dela estar lá (como afirma Freud em O Mal estar da civilização). Porém como experimento teria que haver controle das variáveis, ambiente experimental e ética. Contudo, quantos elementos Saramago e Meireles nos fizeram enxergar a respeito do comportamento de seres humanos adultos, com escolaridade e classe social heterogênea, ambos os sexos, todos acometidos por algo em comum: a cegueira?

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