quarta-feira, 27 de maio de 2009

AMNÉSIA



É comum em crimes que vão a julgamento, os assassinos relatarem amnésia falsa focal e retrógrada em relação ao crime ocorrido. A defesa alega, freqüentemente, que houve um lapso de memória, justamente no momento do crime. Este tipo de fenômeno ocorre em 45% dos crimes que vão à tribunal. Ora, sabemos, atualmente, que este tipo de amnésia é bastante raro.
Essa falsa amnésia pode ser verificada através de testes por alguns pesquisadores. Um dos testes foi feito quando aplicaram provas de múltipla escolha nos criminosos, onde eram abordados questões sobre o crime. A maioria dos assassinos erra acima do esperado, ou seja, respondem de formas incorretas muitas questões da prova. Isso pode ser uma forma de dizerem que suas histórias (contadas no tribunal) não são verdadeiras. Na verdade eles inibem a resposta correta e colocam como a verdadeira resposta errada (em relação à verdadeira história). Isso nem sempre é fácil de fazer!
Além disso, pode-se verificar que as respostas são sendo manipuladas, através de estudos estatísticos que nos dizem que mesmo se um macaco fizesse a prova de 10 questões ele teria 50% de acertos. Contudo, somente a prova de múltipla escolha não é o suficiente para explicar e fechar esta questão. Pois sabemos também que é possível, apesar da baixa probabilidade, de um sujeito errar e quase zera uma prova mesmo tentando fazer o melhor que pode.
A equipe de Xue Sun tentou explicar e testar a falsa memória também por outras vias. Em resumo: eles contaram uma história para três grupos de estudantes, onde o final dela era criado por cada estudante e registrado por escrito. (No primeiro (verdadeira memória)) e segundo (falsa amnésia) grupos, eles escutavam a história e escreviam o final dela cada um individualmente, além de responderem provas de múltipla escolha. No segundo grupo é feito uma reconstrução da história, alguns fatos são modificados e registrados por escrito. Já o terceiro grupo apenas escutava a história. Uma semana depois, todos retornaram para contarem a história da maneira mais fidedigna possível, ou seja, todos os grupos deveriam lembrar da verdadeira história e não a reconstruída. E qual o resultado?
O primeiro grupo se sai muito bem na tarefa de memória e o segundo e terceiro grupos têm um desempenho bem próximo entre eles e abaixo do primeiro grupo. Isso aponta para a possibilidade de o ensaio ou treino da história verdadeira ter melhorado a memória do primeiro grupo, eles tiveram mais oportunidades de ensaiar a história sem interferências. Os outros grupos acabam saindo perdendo quando não treinam a história verdadeira ou ainda recebem informações diferentes dentro dela. Para maiores detalhes: http://scienceblogs.com/cognitived.php
Ou seja, se você for inventar uma mentira, cuidado para não acabar acreditando nela e esquecer o que aconteceu... Bem, às vezes vale a pena esquecer...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

CONTINUAÇÃO



Dando continuidade ao tema da última postagem, onde descrevemos os conceitos do IPP, da resposta de sobressalto e da habituação. Examinamos também a hipótese de alguns pesquisadores de que há um déficit destes conceitos em algumas psicopatologias.
Existe uma correlação destes conceitos com a base anatômica cerebral. Estudos pré-clínicos sugerem que o IPP é modulado pelo circuito cortico-estriado-palido-pontino, o qual inclui regiões do cérebro que participam do circuito do medo, como a participação da amígdala na produção do medo e da ansiedade. É possível que a região amigdalar tenha uma sensibilidade disfuncional em pacientes com transtornos de ansiedade.
O PPI é considerado um reflexo pré-atencional no processamento de estímulos, a qual é bastante independente da intervenção cognitiva. A habituação já faz parte do nosso aprendizado, ela é necessária para aprendermos a distinguir estímulos relevantes dos irrelevantes. Isso envolve avaliação cognitiva. Uma possibilidade clínica é que os déficits na habituação deixem o sujeito mais sensível e exposto a estímulos e ameaças ou até mesmo “distorça” a informação sensorial.
Os resultados da pesquisa em questão demonstraram um decréscimo no IPP, na habituação e na resposta de sobressalto em pacientes com transtornos de ansiedade, este foi o primeiro estudo em pacientes com transtorno de ansiedade. Estes dados são mais conclusivos em pacientes com esquizofrenia.

terça-feira, 12 de maio de 2009

INIBIÇÃO PRÉ-PULSO (IPP); HABITUAÇÃO E RESPOSTA DE SOBRESSALTO




Neste post abordaremos este tema: modelos experimentais de IPP, sobressalto e habituação. Existe uma idéia sendo investigada por alguns pesquisadores de que em alguns transtornos de ansiedade pode haver alterações de alguns aspectos cognitivos. Não se sabe ainda muito bem ainda quais são as funções cognitivas mais prejudicadas. Portanto, alguns estudiosos optam por modelos experimentais, os quais são mais conhecidos e podem ser testados empiricamente em laboratório ou adaptados para humanos...

O que é a inibição pré-pulso (IPP), a habituação e a resposta de sobressalto?

“O IPP consta de um estímulo fraco (pré-pulso), geralmente acústico, apresentado de 10 até 200 ms antes de um estímulo forte (pulso), também geralmente acústico. Em todas as espécies de mamíferos testadas, incluindo a humana, o pré-pulso reduz ou impede a resposta de sobressalto causada pelo pulso” (Sandner, Hetem e Salgado). Ou acesse o link: http://www.rbpbrasil.org.br/portal/backup/copy_of_artigos/texto-integral/modelos-experimentais-de-esquizofrenia-uma-revisao/.

A habituação já é um conceito mais conhecido: é quando existe diminuição automática da intensidade de uma resposta a um estímulo repetitivo.

A hipótese destes pesquisadores é de o IPP esteja ausente ou diminuído em algumas doenças psicopatológicas, como na esquizofrenia ou nos transtornos de ansiedade (http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=543839&tool=pmcentrez). Ou seja, a idéia principal deste paper é que pacientes com transtorno de pânico (TP) sem uso de medicamentos apresentam déficits em relação ao IPP, resposta de sobressalto e a habituação, o que pode refletir numa maior dificuldade em suprimir ou bloquear o processamento de informações nos pacientes com TP.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

TAXISTAS DE LONDRES: DIFERENÇA NO HIPOCAMPO





Pesquisadores ingleses resolveram investigar sobre a capacidade de memorização de taxistas ingleses. Por quê? Londres é uma cidade com mais de 2000 ruas e os taxistas passam por um rígido exame antes de adquirirem suas habilitações. Como um dos principais centros da memória no cérebro é o hipocampo, comparou-se esta estrutura no grupo de taxistas e no grupo controle.
Foram selecionados por Maguire e sua equipe, 16 taxistas do sexo masculino e 50 motoristas (grupo controle) também do sexo masculino. Observaram-se os cérebros dos dois grupos através de ressonância magnética. A decisão de se utilizar uma amostra masculina é devido ao fato de que existem diferenças entre o tamanho de algumas estruturas cerebrais entre os gêneros.
O que eles acharam? Uma diferença na estrutura, somente na parte posterior do hipocampo (responsável pela utilização de mapas adquiridos), não houve diferença no volume total do hipocampo. Isto é, os taxistas têm suas estruturas hipocampais posteriores um pouco maiores do que os motoristas não-taxistas analisados nesta amostra. No entanto os motoristas não-taxistas têm a parte anterior de seus hipocampos (responsável pela aquisição de novos mapas) aumentada em relação aos taxistas.
Interessante, não? Esta pesquisa mostra que talvez haja algumas estruturas cerebrais possam “se esgotar” com o uso. Ou seja, pode ser que haja um limite para se guardar informações no hipocampo e nos taxistas este limite parece estar no máximo, pois a parte anterior de seus hipocampos é menor do que a dos não-taxistas. Além disto, a pesquisa confirma de alguma forma a idéia da frenologia (especialização cerebral), mantendo algumas críticas à esta teoria, pois afinal de contas, Gall vivia no século XIX e muitas descobertas nesta área de conhecimento foram feitas.
Porém, a pesquisa nos coloca um ponto para pensar: o hipocampo posterior dos taxistas é maior como causa (já era assim quando nasceram) ou conseqüência (ficaram maiores pelo uso)??

quinta-feira, 7 de maio de 2009

TEORIA DOS SONHOS, SEGUNDO A NEUROCIêNCIA


Freud e Jung foram os psicanalistas que mais exploraram o temas dos sonhos. Para eles, os sonhos são desejos inconscientes reprimidos pelo ego, podem ser considerados também reminiscências dos acontecimentos diários (Freud). Outra explicação ainda é de que os sonhos são símbolos arquetípicos que estejam relacionados com a história de vida de cada pessoa (Jung). O fato é que para a teoria psicanalítica os sonhos são sempre objeto de interpretação simbólica e subjetiva.
Pode até ser que os autores acima estejam certos, mas isso não contradiz a leitura contemporânea dos sonhos a partir de estudos da neurociência e da neuropsicanálise.
Suzana Herculano e Robert Lent escrevem sobre o assunto e são categóricos: todos os mamíferos (e algumas aves) sonham. Isto é fato. Mas por que muitas pessoas nunca se lembram de seus sonhos? A resposta está relacionada aos vários circuitos cerebrais que regulam os sonhos, entre eles, o sono e a vigília e mecanismos da memória.
Durante a vigília nosso cérebro está imerso com duas substâncias importantes: a acetilcolina e noradrenalina, elas são responsáveis pela capacidade de memorização dos fatos ocorridos durante o dia (entre outras funções). Já no período do sono, as produções destas substâncias diminuem e aumentam a produção de serotonina, a qual faz com que nossos sonhos (imagens mentais) não sejam reproduzidos em movimento muscular, há um mecanismo de bloqueio dos músculos.
A hipótese, já confirmada, de alguns cientistas americanos (Tononi, Chiara, e cols, 1996) é de que a acetilcolina e noradrenalina são responsáveis pela conexão entre os fatos ocorridos durante o dia: nossas ações, pensamentos, sentimentos, etc. com os circuitos “matrizes” já existentes, gravando aquela informação como memória de trabalho, curto ou longo prazo. Ou seja, estas substâncias são importantes para a formação da memória em si. Mas dependem da nossa vigília, a qual está relacionada com a atenção.
Bem, como eles fizeram pra provar esta hipótese? Lesaram a área responsável pela produção destas substâncias (somente em um lado do cérebro, o locus coerulus), de ratos, e os deixaram acordados durante muitas horas. Durante a vigília mediu-se cada lado do cérebro do rato para saber se a produção destas substâncias tinha diminuído em função da lesão e quais os efeitos desta intervenção.
A resposta foi: SIM! Confirmou-se a hipótese inicial. Isso significa que os pesquisadores concluíram que com a diminuição de acetilcolina e noradrenalina circulante no cérebro não foram observadas as novas conexões neurais, diminuindo a capacidade de memória. É assim que nosso cérebro funciona durante os sonhos: com a baixa destas substâncias. Por isso sonhamos, porém não lembramos...
A autora dá algumas dicas para quem quiser lembrar os sonhos, uma delas: um dia quando acordar espontaneamente (sem despertador) prolongue este momento (entre o sono e a vigília) e tente jogar as informações oníricas para a sua memória de curto prazo, faça o circuito funcionar conscientemente, então você terá acesso aquelas informações durante o dia, até o próximo sonho chegar...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

ANSIEDADE E COGNIÇÃO





Na verdade a proposta deste post é discutir sobre os transtornos de ansiedade e os possíveis déficits de ansiedade. Pois se sabe que a ansiedade por si só pode ser muito útil na adaptação e enfrentamento de desafios, (será que é bom ficar muito calmo num dia de prova? Ou muito nervoso?). Caso a ansiedade não leve a um prejuízo no cotidiano ou a perdas em geral ela é adaptativa, caso contrário ela é considerada como um transtorno de ansiedade e classificada como tal em alguns manuais de psiquiatria.

Existem muitos tipos de transtorno de ansiedade, mas não exploraremos os tipos específicos, usaremos no momento, o termo mais geral, pois o objetivo é analisar, o que a alta ansiedade tem a ver com a cognição?

Este nível alto de ansiedade produz sintomas somáticos em conseqüência da ativação do sistema nervoso autônomo, assim como a excitação crônica pode levar a dor de cabeça, hipertensão e problemas intestinais, além de uma preocupação excessiva com quase tudo ao redor. É aí que entra o prejuízo cognitivo em pessoas com transtorno de ansiedade. Será que quem sofre de transtornos de ansiedade tomam decisões rapidamente? Ou realizam funções executivas normalmente, ou ainda tem sua memória funcionando bem?
“Pesquisas recentes mostram que o estresse crônico pode produzir atrofia no hipocampo, uma estrutura cerebral envolvida na aprendizagem e na memória”. ‘ (Mc Ewen, 2000)