sábado, 31 de maio de 2008

MEMÓRIA DE TRABALHO



A expressão memória de trabalho (MT) tem origem na área da computação, são feitas analogias com os sistemas que cumprem essa função no computador. Ela pode ser comparada com a memória RAM, ou seja, funciona como um “gerenciador” de informações.


Segundo Izquierdo, a MT em humanos e em animais como primata obedece à atividade neural do córtex pré-frontal a estímulos que a colocam em ação (dura segundos ou minutos) e não deixa traços neuroquímicos ou comportamentais. É um sistema operacional do córtex Pré-frontal.

A MT é breve e fugaz, é um gerenciador da realidade, pois determina o contexto em que os diversos fatos, acontecimentos e informações ocorrem. Ela seleciona se a informação deve ou não ir para uma nova memória ou até se já existe algum registro daquela informação em outros “arquivos” da memória. A MT diferencia-se por não deixar traços e não produzir arquivos, como foi descrito acima.

Pode ser usada como sinônimo de memória imediata, mas nem todos os autores são unânimes com esta idéia, portanto descreveremos a MT como um tipo de memória diferenciada das outras.

Alguns exemplos de MT seriam:
· Jogo da memória;
· Números de telefones (dependendo do seu uso);
· Posição dos carros numa estrada com neblina;
· Início de uma frase quando estamos lendo um texto.

A MT está relacionada a seguintes áreas corticais:
· Córtex pré-frontal;
· Córtex entorrinal;
· Parietal superior;
· Cingulado anterior;
· Hipocampo.

Essas áreas se conectam entre si, produzindo a rede complexa de memórias! A MT não produz muitas alterações bioquímicas, ela utiliza basicamente a atividade elétrica dos neurônios pré-frontais. Está ligada a algumas estruturas do sistema límbico e por isso sofre influencia do estado
emocional.
“Isto explica o fato tão conhecido de que um estado de ânimo negativo, por exemplo, causado por falta de sono, depressão ou por simples tristeza ou desânimo, perturba nossa MT” (Izquierdo, 2006).

ASPECTOS NEURAIS DA MEMÓRIA



Dando continuidade ao estudo da memória e seus aspectos neurais, podemos focar o tema da seletividade desta, pois sabemos que a memória pessoal e coletiva (histórica) descarta o trivial e incorpora fatos irreais, isso de deve em parte por aspectos da nossa percepção visual (nossa visão não registra exatamente o mundo externo ou “realidade”), mas também porque o cérebro não consegue armazenar todas as informações que chegam do meio e as seleciona através de vários mecanismos, inclusive da memória.

Este processo pode ser chamado, segundo Izquierdo (2006), de predisgitação cerebral: o cérebro converte a realidade em códigos e a evoca por meio destes. Estes códigos são lidos pelo cérebro através de informações elétricas e bioquímicas. Este mecanismo seria resumidamente assim:

ESTÍMULO VISUAL – RETINA -- CÓRTEX OCCIPITAL -- PROCESSOS BIOQUÍMICOS –INFORMAÇÃO REGISTRADA

Quando a informação é registrada, ela pode ir para: o córtex motor, o córtex pré-frontal ou para o sistema límbico. Existem regiões cerebrais que conectam todas as vias, onde se dá a formação e a evocação de memórias.

“Os processos de tradução, na aquisição e na evocação, devem-se ao fato de que em ambas as ocasiões, assim como no processo de consolidação, são utilizadas redes complexas de neurônios.

Os códigos e processos são diferentes da realidade”. (Izquierdo, 2006)
Durante esse processo de traduzir a realidade através de um complexo código de sinais elétricos e bioquímicos, os neurônios sempre perdem algumas informações. Na evocação, os neurônios reconvertem sinais bioquímicos ou estruturam em elétricos de forma que se possa compreendê-los pelos sentidos da consciência. Ou seja, a maioria de tudo aquilo que aprendemos de todas as memórias que formamos na vida, se extingue.
“A característica mais saliente da memória é justamente o esquecimento”!! James McGaugh

Um dos importantes componentes da seletividade da memória é a memória de trabalho. Falaremos sobre ela na próxima postagem.

Aspectos Neurais da memória: estrutura e função



A memória tem sido muito estudada por cientistas da mente, publicadas suas descobertas na mídia e até em filmes contemporâneos, como o nome deste blog: “Brilho eterno de uma mente sem lembrança” ou “Como se fosse a primeira vez”, os quais divulgam a idéia dos circuitos neurais da memória assim como as perdas mnêmicas de curto prazo respectivamente.

“Memória é um meio pelo qual nós recorremos as nossas experiências passadas a fim de usar essas informações no presente” (Sternberg, 2000).

A memória estudada de um ponto de vista neurocientífico é produzida pelos neurônios em determinadas áreas cerebrais, formando circuitos e redes neurais. As informações adquiridas pelos processos sensoriais (vindas da relação estabelecida com o meio ambiente) são selecionadas (por vários mecanismos mentais, que veremos adiante), armazenadas nestas redes, evocadas através delas ou por outras que estabeleçam uma via associativa e modulada pelas emoções, consciência e estado de ânimo. Sabe-se, atualmente, que o cansaço, o estresse, a depressão e a ansiedade pioram o desempenho da memória de forma geral, atingindo predominantemente a memória de trabalho, a de curto prazo e às vezes também a de longo prazo.

Os principais neurotransmissores, envolvidos com os processos da memória são: glutamato, GABA (ácido gama amino-butírico), dopamina, serotonina, noradrenalina e a acetilcolina. Os peptídeos (proteínas) são moléculas maiores e também participam do funcionamento mnêmico.

“Os processos de tradução, na aquisição e na evocação, devem-se ao fato de que em ambas as ocasiões, assim como durante o processo de consolidação, são utilizados redes complexas de neurônios”.
Esta frase de Izquierdo explica essa visão da memória que iremos desenvolver melhor nos próximos fotologs!

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Neurônios espelhos




Dando continuidade a discussão sobre as pesquisas realizadas sobre os neurônios espelhos:
Peter Enticott e colegas da universidade de Monash em Melbourne (Austrália) pesquisaram 20 adultos saudáveis. Foi pedido a eles que observassem vários pares de imagens sucessivamente.


A tarefa exigida era:
1. Decidir se o rosto das pessoas nas imagens pareadas era da mesma pessoa.
2. Decidir se ambas as imagens (ou rostos) mostravam a mesma emoção.

Em paralelo, voluntários assistiram vídeos clipes de pessoas movimentando o polegar: segurando um lápis ou escrevendo, por exemplo. Simultaneamente, avaliou-se, através de neuroimagens, a atividade no córtex motor primário do cérebro, onde ficam os neurônios espelhos. Observou-se um aumento da atividade neural nesta área do cérebro! Podemos concluir que a simples observação de uma ação específica pode gerar respostas neurais no cérebro e consequentemente um comportamento “social” que será utilizado quando necessário.

Atualmente, estes pesquisadores estão investigando o potencial motor dos músculos do polegar: como ele inicia um movimento quando observa outro polegar se movimentar. Este experimento está sendo utilizado para se entender melhor a atividade do neurônio espelho.

Os resultados desta pesquisa levaram a conclusão de que não há relação entre a habilidade em reconhecer faces e a atividade do neurônio espelho. Os cientistas pressupõem que os neurônios espelhos estão envolvidos em entender as emoções tanto quanto a movimentação das ações e comportamentos.

O estudo desta pesquisa busca avaliar duas funções distintas: o aspecto motor e o aspecto do processo emocional-social. Ele nos mostra que o neurônio espelho detecta a atividade motora e relatadas (conectada) com neurônio espelho relacionado com as emoções. Estas duas funções estariam interligadas segundo os autores desta pesquisa.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

COMO O CÉREBRO DETECTA A EMOÇÃO DOS OUTROS




Como vimos na última postagem, vamos analisar a pesquisa citada e suas correlações com as funções cognitivas e estruturais do cérebro.

Pessoas que são boas em interpretar expressões faciais teriam uma espécie de “neurônio espelho”, dizem os pesquisadores. Tais descobertas explicam que estas células são cruciais a nos ajudar a imaginar ( ou visualizar) como os outros agem e sentem (emoções).

“Neurônios espelhos são células do cérebro que são acionadas quando você faz algo ou assiste alguém fazendo ações que estejam no seu repertório de ações”. Segundo a pesquisa, pelo fato dessas células agirem como uma “mímica” do que os outros fazem, pode-se pensar que esses neurônios podem ser responsáveis pelo fato de sentirmos empatia ou entendermos a intenção dos outros e os estados da sua mente (emoções). Pessoas com autismo teriam esse neurônio menos ativos pela dificuldade em relação às tarefas cognitivas sociais.

No estudo de neuroanatomia e fisiologia, está cada vez mais aceita a idéia da existência de módulos no cérebro, ou seja, as funções cerebrais seriam bastante específicas em cada domínio de tarefas. Porém a expressão destas funções cognitivas faz parte de vários aspectos integrados, tanto neurologicamente e em todo o organismo, como também em relação ao ambiente. Estes estudos contemporâneos estariam de acordo com esta hipótese de células neurais espelhadas que podem ser mais ou menos ativadas em decorrência dos comportamentos e consequentemente da sua necessidade, pois os seres humanos e alguns animais precisam do outro como modelo de aprendizagem social, por exemplo. O autismo é uma outra forma de “comprovação”desta idéia, pois se existe uma diminuição da atividade destes neurônios-espelhos, isto demonstra que o comportamento social e o funcionamento cerebral estão bastante relacionados.

Voltaremos ainda a esta questão...

quarta-feira, 21 de maio de 2008

NEURANATOMIA BÁSICA E NEUROLINKS







Para o estudo da neurociência é fundamental um embasamento sólido das estruturas neuroanatômicas assim como o conhecimento das suas funções. Contudo as estruturas cerebrais estão muito bem fotografadas, desenhadas e descritas em grandes livros de neuroanatomia. A proposta aqui seria mais ousada: fazer um estudo da neuroanatomia de forma mais dinâmica, com artigos contemporâneos que tratem do assunto direta ou indiretamente.

Como já sabemos a estrutura cerebral pode ser estudada de maneira funcional ou morfológica, a primeira como o nome diz, correlaciona regiões cerebrais com suas funções e pode ser dividida em: somático ou visceral. A segunda descreve as estruturas mais anatomicamente e pode ser dividida em sistema nervoso central ou periférico.

O sistema nervoso somático está relacionado com ações voluntárias e conscientes, são as aferências e eferências entre o meio externo e a resposta do organismo, ou seja, como reagimos aos estímulos do meio ambiente. Já o sistema nervoso visceral trata-se de reações involuntárias e não são conscientes. Os sistemas nervosos simpáticos e parassimpáticos fazem parte do sistema nervoso visceral eferente, a parte motora deste sistema, pois são responsáveis pelas funções vitais involuntárias, como ritmo cardíaco e reposta ao stress.

O sistema nervoso estudado morfologicamente localiza o SNC, como todas as estruturas que se localizam dentro da coluna vertebral (medula) e o cérebro e o SNP como sendo os nervos cranianos, portanto distribuídos pelo corpo todo.

Voltemos a proposta inicial: a revista New Scientist publicou no dia 12/05/08 (http://www.newscientist.com/article/dn13874-how-the-brain-detects-the-emotions-of-others-.html), uma matéria sobre pesquisas que se propõem a estudar como o cérebro detecta a emoção dos outros. Alguns pesquisadores tentam comprovar a hipóteses da existência de “neurônios-espelhos”, como um tipo de neurônio que detecta a ação, movimentos, expressões, emoções de outras pessoas como forma de decodificação e imitação do comportamento social. Como podemos relacionar esta pesquisa com a neuroanatomia funcional do cérebro que citamos acima? Analisaremos esses pontos na próxima postagem...

terça-feira, 20 de maio de 2008

A DOENÇA DO SONO. E A L-DOPA: PARTE 2




Como vimos na ultima postagem, o neurologista Oliver Sacks relatou sua experiência com doentes pós-encefalíticos na década de 70 num hospital americano (Nova York), onde testa a L- dopa com seus pacientes.

A L - dopa como já vimos é a precursora da dopamina (neurotransmissor), sua descoberta gerou bastante entusiasmo na área médica durante um certo período, pois os cientistas perceberam seus efeitos positivos sobre algumas doenças. Contudo, segundo Sacks, houve uma superestimação da L-dopa como medicamento terapêutico, ela se tornou quase “mágica” e/ou “mística” para um determinado grupo de pesquisadores. Com o tempo percebeu-se que a L-dopa como droga terapêutica é muito eficaz para algumas doenças (como na doença de Parkinson, por exemplo), porém não gerava “milagre” como imaginado.
Sacks observava em seus pacientes sintomas ligados a uma paralisia muscular e cognitiva, ou seja: uma total falta de movimento, atenção, fala. Ele percebia também uma catatonia comportamental (aqui não se trata de uma catatonia ligada à esquizofrenia, mas apenas no sentido de uma apatia generalizada). Era um desafio fazê-los sair daquele sono profundo. A partir das suas observações, pesquisas, entrevistas com familiares, vinculo com os pacientes, Sacks testou a L-dopa com esses pacientes.
Os indivíduos despertaram! A L - dopa funcionou de alguma forma no sistema dopaminérgico destes doentes, trazendo vários tipos de reações neles. A maioria voltou a falar, dançar, escrever, se relacionar, viver. Porém havia duas questões neste despertar: primeiro eles acordaram com um “gap” de muitos anos entre o início da doença e aquele momento atual, portanto, bem mais velhos. Segundo, a droga não sustentou seu efeito por longo período e os pacientes voltaram a sua apatia habitual.
O resultado final desta experiência gerou frustração para os familiares, para o próprio Sacks e provavelmente uma profunda tristeza ou decepção nos doentes pós-encefaliticos. Contudo, como pesquisador da mente humana, Oliver Sacks fez uma tentativa de trazer de volta a vida daquelas pessoas.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Mais um pouco sobre a dopamina, parte 1


Como vimos na última postagem, a dopamina está relacionada com a atividade motora (córtex motor, substancia nigra) entre outras funções. Este neurotransmissor atua também nos processos da atenção e memória. Vamos comentar uma experiência realizada com pacientes encefálicos num hospital americano na década de 70 pelo neurologista Oliver Sacks, onde a dopamina e a L-dopa estavam envolvidas. Esta experiência foi relatada em Tempo de despertar (livro e filme com o mesmo nome) com toda a riqueza de detalhes pelo próprio Sacks. A idéia aqui seria analisarmos a importância da química, neste caso dos neurotransmissores, no cérebro, personalidade e comportamento humano.

A doença do sono (encefalite letárgica) tinha manifestações tão diversas que dois pacientes nunca manifestavam os mesmos sintomas, eram como se fossem doenças muito distintas entre si. Estes sintomas podiam variar de forma que diversos diagnósticos eram dados: esquizofrenia epidêmica, parkisonismo epidêmico, esclerose disseminada epidêmica, raiva atípica, poliomielite atípica entre outras. A encefalite letárgica era uma hidra de mil cabeças.

Nos primeiros dez anos em que a doença surgiu, essa pandemia afetou a vida de quase 5 milhões de pessoas antes de desaparecer, em 1927, tão misteriosamente como surgiu. Alguns pacientes morreram (cerca de 1/3) e os que sobreviveram tornaram-se o que Sacks chamou de paciente pós-encefaliticos, com características de sintomas inigualáveis do sono, sexualidade, tono emocional e apetite, quase todas com alterações de comportamento ligadas a atenção, pensamento, consciência, afetividade, entre outras. Eram distúrbios negativos do comportamento, os pacientes estavam ontologicamente mortos ou adormecidos, esperando um despertar.

A experiência com a L-dopa feita por Sacks nestes pacientes, vai alterar seus comportamentos, como veremos na próxima postagem.